Povo Magüta Imortaliza Suas Memórias Ancestrais: Oficinas Produzem Livro e Documentário com Auto-Biografias de Caciques e Líderes do Alto Solimões


Foto: Tchurucü Mẽpe

No coração da floresta, onde o tempo caminha junto com os cantos dos ancestrais, o povo Magüta vive um marco histórico: a construção do primeiro livro e documentário sobre as auto-biografias dos antigos Aēcacügü (caciques) e representantes das organizações indígenas do Alto Solimões. Nos dias 8 e 9 de fevereiro de 2023, lideranças se reuniram na Aldeia Umariaçu I, em Tabatinga-AM, para concluir uma jornada iniciada em outras aldeias como Bom Caminho, Filadélfia e Feijoal. Cada encontro é mais que uma reunião: é um ritual de memória viva.

O projeto é idealizado pelos líderes Pedro Mendes e Paulo Mendes, com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), e conta com a participação ativa de professores, pesquisadores e agentes Magüta. A proposta nasce da necessidade de garantir que as histórias contadas sejam aquelas vividas, sentidas e compreendidas a partir do pensamento indígena. É a narrativa sendo devolvida às mãos de quem a vive, sem filtros coloniais ou apagamentos históricos.

A obra, intitulada “Auto-biografias dos Antigos Caciques (Aēcacügü) e Representantes das Organizações Indígenas do Povo Magüta”, é mais que um registro: é um legado. Com previsão de lançamento entre o final de 2024 e início de 2025, o livro trará relatos que percorrem as trilhas da luta pela demarcação de terras, educação escolar indígena, saúde diferenciada, resistência política e espiritualidade. Cada linha escrita carrega o sopro de uma geração que lutou com o corpo e a palavra pela dignidade do seu povo.

Foto: Tchurucü Mẽpe

A produção do livro é uma forma poderosa de empoderamento indígena. Ao escreverem suas próprias histórias, os Magüta reafirmam seu lugar de fala e quebram séculos de invisibilização. O livro será uma ferramenta de educação, identidade e resistência, inspirando as novas gerações a conhecerem suas raízes, respeitarem seus ancestrais e continuarem a luta com coragem e sabedoria. É também um presente para pesquisadores indígenas e não indígenas que desejam compreender o Alto Solimões a partir de sua fonte mais legítima.

Segundo os organizadores, “essas são histórias que jamais foram contadas pelos brancos”. A oralidade, que sempre guiou a transmissão dos saberes entre os Magüta, agora ganha também páginas escritas e registros audiovisuais. A memória não se apaga ela se transforma em palavras e imagens que viajarão pelas aldeias, escolas, universidades e instituições. Cada testemunho registrado é um grito silencioso de resistência, uma oração escrita ao espírito dos que vieram antes.

Foto: Tchurucü Mẽpe

Os relatos coletados abrangem experiências de caciques veteranos e lideranças emergentes, compondo um mosaico multigeracional da história política, social e cultural do povo Magüta. Os participantes compartilharam lembranças de assembleias, manifestações, reuniões com órgãos oficiais e episódios marcantes como a fundação do Museu Magüta, o nascimento da FOCCIT, OGPTB, CGTT, OSPITAS, e outras organizações fundamentais. A obra revela os bastidores das conquistas territoriais e da construção da autonomia indígena na região.

Além do livro, as oficinas estão produzindo um documentário dividido em seções temáticas com curtas e médias-metragens. Esse material audiovisual será distribuído gratuitamente nas aldeias e escolas da região a partir de 2025, com apoio da CR Alto Solimões/FUNAI. Será também um recurso pedagógico para os professores indígenas nas salas de aula, fortalecendo o ensino contextualizado e decolonial, tão urgente para a educação nas terras indígenas.

Foto: Tchurucü Mẽpe

A proposta segue o princípio do Bem Viver, valorizando os saberes tradicionais, a ancestralidade e o direito de cada povo escrever sua própria história. Nas palavras do professor Raimundo Leopardo, presente na oficina: “Documentar é proteger o espírito da floresta. O livro será como um cesto onde depositamos nossos sonhos, dores, vitórias e esperanças”. Ao lado de Francisco Mendes e tantos outros mestres de sabedoria, o povo Magüta faz da escrita um instrumento de cura coletiva.

Com essa iniciativa, o povo Ticuna reafirma que não é objeto de estudo, mas sujeito de sua própria história. A obra será uma referência não apenas regional, mas nacional, sobre o protagonismo indígena na luta por direitos e territórios. É um projeto de futuro, enraizado no passado, regado pela coragem do presente. Quando os jovens Magüta abrirem essas páginas amanhã, verão ali o reflexo de seus avós e bisavós que plantaram, com palavras, o futuro.

Foto: Tchurucü Mẽpe

O povo Magüta transforma memória em movimento. Que o livro e o documentário sejam sementes para que outras nações indígenas também registrem, resistam e reencantem suas trajetórias. A floresta agradece. O espírito dos antigos sorri. E as futuras gerações já escutam os ensinamentos que vêm do coração da terra.


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