Escuta Pública sobre a Implantação da Universidade Federal Intercultural Indígena no Alto Solimões

Foto: Magüta Native

No dia 25 de julho de 2024, foi realizada uma escuta pública nas dependências do Centro de Estudo Superior de Tabatinga (CESTB/UEA) para discutir a implantação da Universidade Federal Intercultural Indígena na região do Alto Solimões. O evento contou com a participação de mais de 1.000 indígenas de diversas etnias, representantes de organizações indígenas do Alto Solimões, Médio Solimões e Vale do Javari, além de estudantes, professores, lideranças tradicionais e representantes de instituições públicas.

Durante o período da manhã, foram organizados Grupos de Trabalho (GTs) compostos por estudantes, professores e lideranças, que debateram as prioridades e demandas das comunidades indígenas para a estruturação da nova universidade. Os GTs utilizaram questionários participativos para sistematizar propostas sobre cursos, estrutura multicampi, gestão e inserção dos saberes tradicionais no currículo.

A consulta pública teve como foco principal a necessidade urgente de uma universidade com identidade indígena, pensada a partir das realidades socioculturais, linguísticas, territoriais e educacionais das comunidades da Amazônia. A proposta busca garantir uma educação superior intercultural, comunitária e territorializada, aliando os saberes tradicionais aos conhecimentos científicos.

Um dos pontos centrais discutidos foi a constatação de que as universidades públicas atualmente existentes muitas vezes não contemplam as particularidades dos povos indígenas. Os participantes relataram experiências de desrespeito, invisibilidade cultural e barreiras estruturais, que dificultam o acesso e a permanência de estudantes indígenas no ensino superior.

A proposta de criação de uma universidade multicampi ganhou destaque. A descentralização da estrutura, com polos de ensino em diferentes municípios, foi vista como uma forma viável de alcançar comunidades distantes e garantir maior inclusão territorial. A cidade de Tabatinga foi fortemente defendida como sede principal, por estar no coração da região do Alto Solimões e já contar com infraestrutura educacional.

Também foram levantadas propostas sobre os cursos e áreas de formação que a nova universidade deve contemplar. Entre elas: Licenciaturas Interculturais, Gestão Territorial e Ambiental, Línguas Indígenas, Saúde Intercultural, Comunicação Comunitária, História dos Povos Originários, Direito Indígena, Agroecologia e Formação de Professores Bilíngues. As comunidades reforçaram a importância de que os cursos sejam construídos a partir de seus interesses e modos de vida.

Além dos cursos de graduação, os participantes enfatizaram a necessidade de programas de extensão e pesquisa voltados para a valorização das línguas indígenas, preservação dos territórios, práticas de saúde tradicionais, espiritualidade, memória oral e educação comunitária. A universidade também deverá promover intercâmbios entre etnias, respeitando a diversidade interna dos povos indígenas da Amazônia.

Foto: Magüta Native

Outro destaque foi a exigência de que a universidade seja gerida de forma participativa, com envolvimento direto das comunidades em sua governança. Foi defendida a criação de conselhos autônomos indígenas que acompanhem as decisões acadêmicas, administrativas e orçamentárias da instituição, garantindo o protagonismo indígena na gestão da universidade.

Durante os debates, surgiram também críticas e tensões relacionadas à condução do processo. Algumas lideranças expressaram preocupação com a possibilidade de a universidade ser centralizada em Manaus, o que contraria as demandas dos povos do interior do estado. Foi cobrada maior transparência e diálogo contínuo por parte da comissão organizadora e dos órgãos governamentais envolvidos.

Apesar das divergências, os encaminhamentos foram construídos coletivamente e apontam para a continuidade do processo de implantação com base nos seguintes princípios: respeito aos saberes indígenas, territorialidade, autonomia, gestão compartilhada e diversidade cultural.

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A criação da Universidade Federal Intercultural Indígena é vista como um marco histórico na luta por uma educação superior que respeite as especificidades dos povos indígenas. Além de proporcionar acesso à formação acadêmica, a instituição será um espaço de fortalecimento cultural, afirmação de identidade e resistência frente aos processos de colonização educacional.

A nova universidade também deverá contribuir diretamente para o desenvolvimento sustentável das comunidades, formando profissionais comprometidos com suas realidades e capacitados para atuar em áreas essenciais como educação, saúde, meio ambiente, cultura e comunicação.

Para isso, é fundamental que o governo federal, por meio do Ministério da Educação, Ministério dos Povos Indígenas e FUNAI, garanta recursos financeiros, infraestrutura adequada e apoio técnico para que o projeto avance com efetividade e com base nas decisões tomadas pelas comunidades.

A escuta pública concluiu que a implantação da universidade deve ser feita “com e para os povos indígenas”, ouvindo suas vozes, respeitando suas culturas e construindo pontes entre o saber ancestral e os desafios contemporâneos.

Diante da grande participação e das contribuições significativas apresentadas, foi reforçado o compromisso de realizar novas escutas públicas em outras regiões e de manter as comunidades informadas sobre os próximos passos. A criação da Universidade Federal Intercultural Indígena é mais do que uma demanda: é um direito coletivo e uma urgência histórica.


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