Dia das Mães Indígenas: Mulheres Ticuna conciliam atividades culturais em aldeia Umariaçu I de Tabatinga-Am
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Foto: Tchurucü Mẽpe |
No coração da Aldeia Umariaçu I, em Tabatinga (AM), o Dia das Mães Indígenas ganhou um significado mais profundo neste 14 de maio. As mães Ticuna, com suas histórias e carregos de ancestralidade, conciliaram atividades culturais, práticas rituais e o cuidado dedicado a seus filhos. Foi um dia em que a comunidade se reuniu para reforçar a força maternal como pilar da cultura Tikuna — guerreiras cotidianas que equilibram o sagrado e o cuidado com sabedoria.
Ao preparar o ritual da Moça Nova, essas mulheres assumiram duplas jornadas: de manhã, orientavam os ensaios de dança, teciam adornos e transmitiam rituais; à tarde, recuperavam a rotina da casa e a atenção aos pequenos. Como diz Carla, mãe e facilitadora, “cada dia é um desafio diferente”, e essa frase ecoa no ouvido de muitas que criam, ensinam e preservam. Ao mesmo tempo, o amor por seus filhos se converte em motivação para manter vivas as tradições.
São elas que, entre uma prece e outra, ensinam as crianças a entoar hinos ancestrais e a guardar os segredos do grafismo. Servem também como guardiãs da língua Tikuna — aquele sopro que alimenta a memória cultural. Seus filhos, nesses dias, aprendem que o espírito coletivo e a reverência à natureza não estão apenas nas histórias, mas no cotidiano – na comida que alimenta, na arte que decoram e no tempo dedicado às lições.
Apesar dos desafios e da pressão da vida moderna, o vínculo com as mães anciãs foi decisivo na trajetória dessas mulheres jovens. Muitas relatam uma rede de apoio poderosa deixada por suas mães, que permitiu que seguissem estudando, participando de eventos e assumindo papéis de liderança. Carla relata que foi sua mãe quem a impulsionou a continuar os estudos, mesmo após o parto. Um gesto coletivo de cuidado que atravessa gerações e fortalece os laços sociais.
Essas mães não vivem os clichês consumistas de 14 de maio. Não são encontradas em shoppings ou vitrines, pois a essência de suas celebrações nasce nos moldes comunitários. Presentes são cantos, grafismos, memórias, sementes e tempo compartilhado com os filhos. E mesmo quando confrontadas com as mudanças da cidade e as tecnologias, elas mantêm os pés fincados na terra – mesmo que isso signifique um aprendizado constante diante de um mundo que tenta absorver mas não entende.
Carla e outras mães apontam que, embora ainda persista o infanticídio em áreas isoladas, como em gêmeos ou pessoas com deficiência, “no Brasil isso está mudando”. Essa tomada de consciência recente não apaga traumas, mas mostra o quanto uma mãe comunitária pode resistir a paradigmas antigos. Em Umariaçu I, a batalha é por dignidade, inclusão e celebração de cada filho que nasce – amado e acolhido.
Durante o evento, a coordenação do grupo Magüta Native realizou uma série de sessões de escuta com mulheres jovens, abordando maternidade, educação, saúde emocional e espiritualidade. O resultado revelou uma rede feminina que, além de ensinar e cuidar, aprende a cuidar de si mesmas: buscando redes de apoio psicológico e espiritual para lidar com os impactos das mudanças e da sobrecarga.
Essas mães têm agora a responsabilidade de transmitir um legado cuja linha de partida é a ancestralidade, mas o rumo é o porvir. Entre rituais noturnos e conversas à luz do fogo, foram plantadas sementes de futuro. Um futuro em que os filhos continuem conectados à terra, falem Tikuna e vivam a cultura de dentro para fora, sem opressão e sem abrir mão de seus direitos como cidadãos brasileiras.
O Dia das Mães Indígenas, assim, se transforma em mil pulsações cotidianas de amor, cuidado e resistência. É um dia de celebração, mas sobretudo, de reivindicação de apoio estatal e visibilidade para as mães indígenas. Exigem acesso à educação bilíngue, saúde diferenciada, assistência à maternidade e combate à marginalização. Porque criar um filho Ticuna é plantar cultura viva, é continuar um ciclo milenar que resiste e floresce.
Para fechar o dia, uma roda de mães foi realizada ao entardecer: grafismos nas mãos, canções que falavam da alegria e do sacrifício, abraço coletivo com as crianças. O céu ganhou a trilha de um tempo redescoberto, onde as mães Ticuna ensinaram sobre o valor de existir, sobre a coragem de criar em comunidade e sobre a urgência de reescrever a história para que cada filho cresça sabendo que “Minha mãe é a minha Terra; sou o fruto da sua raiz.”
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