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Foto: Tchurucü Mẽpe |
No ano de 2023, completamos 25 anos de memória viva de um dos momentos mais trágicos e vergonhosos na história do Alto Solimões: o massacre da Boca do Capacete, um episódio de genocídio indígena que deixou cicatrizes profundas entre os Tikuna. Este não é apenas um capítulo sombrio do passado — é uma chaga aberta que se recusa a cicatrizar enquanto a justiça não for plenamente reconhecida.
Naquela manhã de 28 de março de 1988, um ataque brutal de 14 homens fortemente armados interrompeu uma assembleia pacífica dos Tikuna. Quatro indígenas foram assassinados, dez desapareceram e mais de vinte ficaram gravemente feridos corpos feridos que carregam a marca do racismo institucionalizado e da postura genocida praticada contra os povos originários.
A responsabilidade foi atrelada ao madeireiro e fazendeiro Oscar de Almeida Castelo Branco, conhecido localmente como um dos principais defensores da invasão e destruição do território indígena. Porém, mesmo com provas e testemunhos, a justiça corrente falhou e a impunidade se revelou como herança a ser superada.
Mesmo diante da violência e da indiferença, o espírito tradicional Tikuna resistiu. Com coragem ancestral, o povo lutou, organizou-se e conquistou a demarcação de mais de 10 novas áreas de posse permanente, uma resposta viva à tentativa de esfacelamento territorial, mostrando que nenhum genocídio apaga a vontade de existir.
O massacre tornou-se um catalisador de mobilizações históricas: o povo Tikuna se tornou protagonista, exigindo educação escolar intercultural, saúde diferenciada, demarcação de terras injustamente usurpadas e a permanência do PT na FUNAI. Hoje, somos mais de 70 mil Tikuna no Alto Solimões, com língua, cultura e ancestralidade vivas e pulsantes.
A memória do genocídio de 1988 não é lembrança fria é um grito ativado contra o racismo científico, institucional e social que segue perseguindo nossos povos. É por isso que exigimos: nenhum genocida pode gozar de impunidade, e nenhuma lei pode amparar o silenciamento coletivo dos povos originários.
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Foto: Tchurucü Mẽpe |
O histórico assassinato do povo Tikuna é parte explícita da história oficial do Brasil, onde margens dos rios se tingiram com sangue indígena. Pouco depois, em 2001, partes do crime foram julgadas, mas o vento da impunidade soprou forte e levou a absolvição de seus mentores em 2004, o que só reforça que a verdadeira justiça ainda está por vir.
Mas não há duelo que enfraqueça totalmente a fibra de um povo que resiste. Enquanto alguns espaços sagrados foram manchados pela violência, nossas lideranças organizaram redes, fortalecemos as escolas indígenas bilíngues, desenvolvemos projetos de saúde diferenciada e resistência cultural.
Hoje, nosso combate é também político: não aceitamos que o filho de um massacre ocupe espaços públicos de poder. O controle político de seus descendentes é eco de império e uma afronta à memória coletiva. Nós queremos espaços seguros, coragem para enfrentar as forças coloniais e instituições que nos protejam de verdade.
Este marco de 25 anos é tanto um grito de lamento quanto uma sirene para renovação. Enquanto o Estado mantém suas velhas estruturas racistas, o povo Tikuna está aqui para afirmar: “Esta terra tem dono. Nós estamos vivos. E nossa cultura nunca será silenciada.”
Hoje, com as lágrimas do passado se transformando em voz de resistência, proclamamos que a justiça será construída, com a recuperação de territórios, com punição aos genocidas – mesmo que tardia – e com o fortalecimento de nossas instituições indígenas. Assim como Sepé e tantos outros, Tikuna não tardará a lembrar que resistir é vitória, e existir em liberdade é o maior de todos os direitos.
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