"Esta Terra Tem Dono": Povo Ticuna do Alto Solimões Relembra o Legado de Sepé Tiaraju como Símbolo Vivo da Resistência Indígena


Foto: Magüta Native

Com a força da memória ancestral, os povos originários seguem firmes em sua luta pela terra, pela cultura e pelo bem viver.

No dia 7 de fevereiro, a floresta silencia por um instante e os ventos sopram antigos cantos de luta. Neste dia, em 1756, Sepé Tiaraju, guerreiro guarani, tombou com honra defendendo seu território contra os colonizadores. Mas seu espírito, como semente lançada ao chão fértil da história indígena, germina até hoje em cada território protegido, em cada fala ancestral preservada, em cada jovem indígena que se levanta para defender seus direitos.

Para o Povo Ticuna do Alto Solimões, esse dia não é de comemoração, mas de fortalecimento da memória e reafirmação da luta. É uma data de lembrança histórica, em que o sangue derramado por Sepé simboliza o de milhares de parentes assassinados ou silenciados em nome de um progresso que nunca foi para todos. É um dia para dizer, mais uma vez, "Esta terra tem dono" — como afirmou Sepé, desafiando o Tratado de Madrid e os impérios coloniais.

Sepé Tiaraju não morreu, se multiplicou.
Ele vive na resistência dos Tikuna, dos Marubo, dos Kanamari, dos Kokama e de tantas outras etnias do Brasil e da Pan-Amazônia. Ele vive nas lideranças que lutam contra a destruição ambiental, na juventude que ocupa as universidades, nas mulheres que mantêm viva a espiritualidade e a medicina tradicional.

Criado pela Lei nº 11.696/2008, o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é resultado da pressão e mobilização dos movimentos indígenas e dos defensores dos direitos humanos. A data foi escolhida para lembrar o sacrifício de Sepé e também para reafirmar a urgência da luta por terra, saúde, educação, cultura e representatividade.

A história oficial tentou calar vozes como a de Sepé. Mas os povos originários continuam vivos, falando em suas línguas, cantando suas histórias e cuidando de seus territórios. A luta de Sepé não acabou em 1756: ela continua nas assembleias indígenas, nas manifestações, nos projetos comunitários, nas rádios indígenas, nos grupos culturais e nas aldeias que resistem ao apagamento.

Os Ticuna do Alto Solimões, ao lembrar essa data, reforçam sua própria caminhada histórica: a busca constante pela autonomia, pela proteção territorial e pela valorização da cultura Magüta. Assim como Sepé, os Tikuna também dizem: “Não abriremos mão do que é nosso por direito ancestral”.

Esse dia, portanto, é também um marco para denunciar o racismo estrutural, o descaso com os territórios indígenas, o avanço do narcotráfico e do garimpo ilegal, e a destruição ambiental que ameaça o modo de vida dos povos que cuidam da floresta como parte do seu corpo espiritual.

É preciso lembrar que o Brasil foi fundado sobre o genocídio indígena, com a imposição de uma cultura dominante que tentou apagar saberes milenares. A catequese, a monocultura, a militarização e a exploração das riquezas naturais foram travestidas de progresso. Mas os povos originários sabem: progresso sem floresta, sem cultura e sem justiça, não é desenvolvimento — é destruição.

A data de hoje chama à ação. Ela convoca os jovens indígenas a estudarem, a ocuparem os espaços políticos, a fortalecerem a etnomídia e a continuarem a luta com sabedoria. Ela chama os não-indígenas à escuta, ao respeito e à aliança verdadeira com as causas dos povos originários.

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