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Foto: Hildeney Ticuna |
Na aldeia Umariaçu I, território ancestral do povo Magüta, em Tabatinga (AM), um sopro de esperança e luta ecoa entre as árvores da floresta. É lá que os anciãos, guardiões da memória, e os jovens, semeadores de futuros, se unem em um projeto que vai além da técnica: “Cuidando da Floresta para Manter Viva e Forte a Cultura”. Essa iniciativa, construída com sabedoria e visão de mundo própria, fortalece o vínculo entre natureza e cultura, entre raiz e horizonte, entre território e espírito.
O projeto é fruto de uma aliança viva entre a comunidade Magüta, o Programa Floresta+ Amazônia, na Modalidade Comunidades, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Mais do que uma simples série de oficinas, ele é um etnoprojeto de formação, uma prática de resistência e reconstrução do mundo Magüta com base no legado dos ancestrais: Ngu’tapa, Mapana, Yo’i, Ipí, Aicüna e Mowatcha.
As oficinas envolvem temas que surgem da própria realidade e das necessidades da comunidade: produção de mudas, reflorestamento, gestão de recursos naturais, monitoramento ambiental e proteção territorial. Esses conhecimentos dialogam com os saberes antigos, atualizados a partir da escuta, da vivência e do chão sagrado onde os Magüta habitam há milênios. É a floresta ensinando como viver, como cuidar e como resistir.
Neste tempo de COP30, que será realizada no Brasil, os Magüta se mobilizam com a certeza de que a luta climática precisa começar pelos povos da floresta. Afinal, como proteger a Amazônia sem ouvir quem nela nasceu, quem nela vive e quem dela cuida há gerações? A floresta só será viva se seus povos forem ouvidos, respeitados e protegidos.O pensamento Magüta parte da floresta como um ser com espírito, memória e direito à vida. Assim, cuidar dela não é apenas uma ação ambiental, mas um dever espiritual e ancestral. É nesse entendimento que o projeto se fortalece, colocando os anciãos como mestres da memória, os jovens como aprendizes e agentes de transformação, e as mulheres como guardiãs do saber e do bem viver.
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Foto: Hildeney Ticuna |
As oficinas também promovem o monitoramento etnoterritorial, ferramenta essencial para garantir a autonomia e a soberania das comunidades sobre seus territórios. Com uso de tecnologias como drones e GPS, combinados aos conhecimentos tradicionais, os Magüta estão mapeando suas áreas, identificando riscos e planejando estratégias de proteção e manejo sustentável. Isso reforça a autodeterminação indígena e o direito de decidir sobre seus próprios modos de vida. Outro tema central do projeto é a gestão de conflitos e legislação indígena. Os participantes estão aprendendo sobre as leis que protegem os territórios e os direitos dos povos originários. Conhecer os instrumentos jurídicos fortalece a capacidade de defesa diante das ameaças, como invasões ilegais, desmatamento e interesses econômicos que ignoram a vida indígena.
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A cultura Magüta não se separa do território. Por isso, a revitalização cultural é uma linha transversal em todas as ações do projeto. Por meio de cantos, histórias, grafismos, danças e rituais, os conhecimentos ancestrais são transmitidos e ressignificados. A floresta não é apenas cenário, é personagem, é parente, é mãe. E a cultura, nesse contexto, é a alma viva que guia o povo na travessia do presente rumo ao futuro. O projeto também reforça a importância da juventude no processo de continuidade dos saberes. Jovens Magüta estão sendo capacitados para atuar como multiplicadores culturais e ambientais, promovendo ações que aliam tradição e inovação. Assim, a juventude se torna protagonista de um novo ciclo, onde a educação se dá no diálogo entre o conhecimento ancestral e o pensamento crítico contemporâneo.
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Foto: Hildeney Ticuna |
Ao reunir as gerações em torno de um mesmo propósito, o projeto também atua na fortalecimento da coletividade e da liderança comunitária. As decisões são tomadas em assembleias, escutando todas as vozes: homens, mulheres, jovens, crianças e anciãos. Isso fortalece a governança interna e prepara a comunidade para dialogar com o mundo externo sem perder suas raízes. A partir das histórias dos ancestrais, como a de Ngu’tapa e Mapana, que ensinaram seus filhos sobre o mundo espiritual, os Magüta compreendem que sua missão é proteger não só o território físico, mas também o território simbólico. A floresta é lar dos encantados, dos espíritos das águas e dos animais. Por isso, cada ação é feita com respeito, com ritual, com sentido.
Neste contexto, os Magüta entendem que a ecologia não é apenas ciência, mas espiritualidade. A cosmologia indígena revela que tudo está interligado: se um rio morre, uma memória morre com ele; se uma árvore cai, um espírito chora; se uma terra é invadida, uma história é ferida. Cuidar da floresta, então, é cuidar da continuidade do mundo. A experiência vivida em Umariaçu I mostra que os povos indígenas não esperam por soluções externas. Eles constroem suas próprias estratégias de resistência, com base em suas identidades, tradições e necessidades. O projeto Floresta+ Amazônia, ao reconhecer e apoiar isso, torna-se um aliado verdadeiro na luta por justiça climática e por dignidade indígena.
A expectativa da comunidade é que esse projeto se torne uma referência para outros territórios indígenas do Alto Solimões e da Pan-Amazônia. Que ele inspire outras aldeias a promover ações de cuidado com a terra, de valorização cultural e de protagonismo juvenil. Que as sementes plantadas hoje floresçam em novas gerações de defensores da vida. Por fim, a mensagem que ecoa da floresta e dos corações Magüta é clara: sem território, não há cultura; sem floresta, não há vida. Que os ventos da ancestralidade continuem soprando sabedoria sobre os caminhos da juventude e que o mundo aprenda, com os povos originários, a cuidar da Terra como quem cuida de uma avó. Porque cuidar da floresta é manter viva a alma do mundo.
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