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O Renascimento das Lideranças: Curso de Manejo e Proteção Territorial Mobiliza a Nova Geração no Alto Solimões

  Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe Entre os dias 17 e 22 de novembro de 2025, Belém do Solimões, no município de Tabatinga, torn...

 

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe

Entre os dias 17 e 22 de novembro de 2025, Belém do Solimões, no município de Tabatinga, tornou-se novamente um ponto de convergência para lideranças, professores, jovens e representantes de diversas instituições que atuam na formação e fortalecimento dos povos indígenas do Alto Solimões. Nas dependências da aldeia, a Associação de Desenvolvimento Artístico e Cultural da Aldeia Indígena de Belém do Solimões (ADACAIBS) promoveu mais uma etapa do curso de Manejo de Lagos e Florestal, alcançando seu sétimo módulo e consolidando-se como uma das iniciativas mais relevantes do território voltadas à gestão sustentável dos recursos naturais, ao protagonismo indígena na educação e ao fortalecimento de lideranças jovens. O encontro deste ano ampliou os horizontes da formação ao integrar, além das práticas de manejo tradicional, conteúdos fundamentais para a atual conjuntura territorial, incluindo gestão ambiental, proteção territorial, mapeamento, uso de GPS, educação digital, formação jurídica e debates urgentes sobre drogas e substâncias que afetam diretamente a juventude indígena.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


O curso, organizado pela ADACAIBS, contou com o apoio institucional da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que assumiu papel central na condução da disciplina de Gestão Ambiental e Proteção Territorial. Essa parceria reforçou uma diretriz estratégica para os povos do Alto Solimões: ampliar a autonomia indígena por meio do domínio de ferramentas técnicas e políticas que garantam não apenas o bem-estar das comunidades, mas também sua permanência digna e protegida nos territórios tradicionalmente ocupados. Por meio de aulas práticas e teóricas, os participantes puderam conhecer com profundidade noções de mapeamento territorial, leitura cartográfica e manuseio de aparelhagem GPS, instrumentos essenciais para a vigilância, monitoramento e defesa das áreas comunitárias frente às ameaças crescentes, como exploração ilegal, pesca predatória e pressões externas que avançam sobre os lagos e as florestas da região.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


Além disso, a formação contou com professores indígenas que contribuíram com disciplinas como Língua Portuguesa, Informática e Educação Digital, refletindo o compromisso da ADACAIBS e de suas instituições parceiras com a educação intercultural e a valorização dos saberes locais. O curso é formato de pedagodia alternância, mas de um espaço de fortalecimento identitário, onde jovens e lideranças puderam compreender o manejo ambiental não apenas como um conjunto de técnicas, mas como parte integrada de um modo de vida ancestral que conecta a proteção dos elementos naturais com a preservação da cultura. As aulas em língua portuguesa e informática, por exemplo, tornaram-se ferramentas fundamentais para ampliar as capacidades de comunicação, sistematização de dados, elaboração de projetos e acesso a políticas públicas, elementos indispensáveis para o movimento indígena que, na região do Alto Solimões, vem assumindo espaços cada vez mais expressivos na defesa de direitos e na articulação política.

Outro ponto marcante desta etapa foi a continuidade da construção da cartilha educativa vinculada ao projeto Nuparacü rü Wicuracü – Centro de Formação do Eware, desenvolvido em colaboração com IFAM, COIAB e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). A cartilha tem como objetivo reunir conhecimentos tradicionais, práticas de manejo sustentável, orientações sobre uso dos recursos naturais e diretrizes de proteção territorial, dialogando com os saberes ancestrais e com as ferramentas técnicas contemporâneas. Durante os dias de formação, grupos de jovens revisitaram mapas, relatos de anciãos, registros de campo e orientações legais, contribuindo coletivamente para a construção de um material formativo que deve se tornar referência para as próximas gerações do território Eware I e II e outros TIs da região.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


Outro eixo importante do módulo foi a Formação de Lideranças, que trouxe debates essenciais sobre história indígena, processos de organização comunitária, formas de resistência e mecanismos de participação política. A juventude, que representou grande parte dos participantes, discutiu profundamente o papel das lideranças no enfrentamento aos desafios atuais do movimento indígena, como as invasões territoriais, as mudanças climáticas, a crise hídrica que afeta os lagos, a pressão sobre a pesca e a necessidade de garantir que os saberes tradicionais sejam valorizados e transmitidos. A formação não se limitou ao debate histórico, mas enfatizou práticas de articulação contemporânea, o uso responsável das tecnologias e a importância da comunicação indígena como instrumento de mobilização, denúncia e fortalecimento cultural.

Dentro da programação, também esteve presente a participação do CAIS Povos Indígenas, que trouxe um módulo específico sobre Drogas e Substâncias, com foco em aspectos jurídicos, políticas públicas, prevenção e cuidado comunitário a partir do redução de danos. Esse tema é de máxima relevância na região do Alto Solimões, onde a vulnerabilidade social, a proximidade de fronteiras e a presença de fluxos ilícitos têm impactado diretamente a juventude. A formação jurídica contribuiu para que os participantes compreendessem os limites da legislação, os direitos garantidos às comunidades e os mecanismos legais disponíveis para proteção e intervenção adequada. Já os debates sobre políticas de prevenção abordaram o papel das lideranças, das escolas indígenas e das instituições de base na construção de ambientes mais seguros e na promoção do bem viver entre os jovens.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


Durante todos os dias de formação, destacou-se também a troca intergeracional. Anciãos, jovens e pesquisadores indígenas puderam compartilhar visões sobre o território, narrativas tradicionais, histórias sobre o manejo antigo dos lagos e transformações observadas nas últimas décadas. Esse diálogo direto entre memória e futuro foi um dos pontos mais valorizados da semana, pois reforçou a compreensão do território, como lugar de ancestralidade, espiritualidade e identidade. Com isso, foram vivências, reflexões coletivas e reafirmações do compromisso das comunidades em seguir fortalecendo os modos de vida Magüta, Kukama, Kanamari, Kanbeba de outros povos da região.

A presença de jovens em grande número foi uma das marcas mais importantes desta edição. Para muitos deles, participar de um curso tão completo representa não apenas uma oportunidade de aprendizagem, mas um passo firme na construção de um protagonismo que vem crescendo a cada ano dentro do movimento indígena. A formação os preparou para serem multiplicadores em suas aldeias, capazes de atuar tanto na proteção territorial quanto na mediação de conflitos socioambientais e no uso de tecnologias que auxiliem o monitoramento dos lagos, a catalogação de espécies e a construção de bancos de dados comunitários.

O módulo também proporcionou momentos de práticas, nos quais os participantes puderam aplicar técnicas de manejo de lagos, observação da fauna aquática, identificação de áreas degradadas, reconhecimento de espécies arbóreas e análise das condições ambientais de trechos de floresta próximos às aldeias. A vivência prática permitiu que os conhecimentos tradicionais transmitidos pelos mais velhos dialogassem com os conhecimentos técnicos adquiridos nas aulas, fortalecendo uma visão integrada e sustentável da floresta, água, solo e vida comunitária.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


Ao longo da semana, o ambiente formativo em Belém do Solimões refletiu a união de forças entre os jovens indígenas, instituições de ensino e lideranças que acreditam na importância de preparar a juventude para enfrentar os novos desafios do século XXI sem abandonar seus valores ancestrais. A presença de instituições como IFAM, COIAB e FUNAI reafirmou o compromisso interinstitucional de promover formações que respeitem a autonomia dos povos e valorizem suas práticas de gestão ambiental enquanto contribuem para ampliar o acesso a políticas públicas e tecnologias emergentes.

Na fase final do encontro, os participantes reuniram-se para avaliar os seis dias de atividades, apresentar resultados preliminares dos trabalhos desenvolvidos e apontar sugestões para os próximos módulos. O sentimento geral foi de fortalecimento coletivo e amadurecimento político, especialmente entre os jovens, que reconheceram na formação uma oportunidade de ocupar novos espaços dentro do movimento indígena, seja na gestão territorial, na comunicação comunitária, na educação ou na articulação política regional.

Credito/Foto: La Magüta Native/Tchurucü Mepe


A semana de formação deixou claro que iniciativas como esta são fundamentais para garantir que o movimento indígena do Alto Solimões continue crescendo de forma organizada, consciente e fortalecida. O sétimo módulo do curso de Manejo de Lagos e Florestal não apenas ampliou conhecimentos técnicos, mas também reforçou valores como solidariedade, ancestralidade, proteção territorial e compromisso com o futuro. A combinação entre saberes tradicionais, tecnologias contemporâneas e formação política permitiu que os participantes vivenciassem um processo educativo completo e profundamente conectado às realidades de suas comunidades.

Ao encerrar o encontro, ficou evidente que a educação indígena, quando guiada por princípios comunitários e pela valorização dos territórios, é capaz de produzir transformações significativas. O trabalho conjunto entre ADACAIBS, COIAB, IFAM, FUNAI e CAIS Povos Indígenas representa um modelo de parceria que fortalece as bases do movimento indígena no Alto Solimões e inspira outras regiões da Amazônia. A formação concluiu-se deixando um legado de aprendizados, novas cartografias, registros culturais, diálogos e compromissos que seguirão orientando ações futuras. Mais do que uma semana de cursos, foi um marco no processo contínuo de formação de jovens que assumirão, com firmeza e sabedoria, a responsabilidade de proteger seus territórios, preservar suas culturas e liderar suas comunidades rumo a um futuro que respeite a vida, a floresta e a ancestralidade que molda sua existência.

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