Foto/Crédito: La Magüta Native Na manhã do dia 23 de outubro de 2025, as aldeias Ticuna Umariaçu I e II, localizadas no município de Tabatin...
| Foto/Crédito: La Magüta Native |
Na manhã do dia 23 de outubro de 2025, as aldeias Ticuna Umariaçu I e II, localizadas no município de Tabatinga, no Alto Solimões, receberam uma importante ação de escuta coletiva promovida pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE), Polo Alto Solimões. O evento contou com a participação da Defensoria Pública da União (DPU), FUNAI, CAIS Povos Indígenas e da Secretaria Municipal dos Povos Originários, configurando uma articulação interinstitucional inédita voltada ao fortalecimento do vínculo entre as instituições públicas e as comunidades indígenas Ticuna.
A atividade teve como objetivo principal apresentar os serviços oferecidos pela Defensoria Pública, além de promover rodas de conversa que possibilitassem aos moradores relatar experiências, dificuldades e reivindicações em diversos setores sociais e institucionais. Nesse sentido, a escuta se configurou como um ato de reconhecimento do território como sujeito de direito, buscando compreender as demandas não apenas jurídicas, mas também culturais e sociais.
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O evento iniciou pela Comunidade Umariaçu I, pela manhã, e seguiu à Comunidade Umariaçu II, no período da tarde. A abertura contou com a presença de Ezequiel Pinto Araújo, cacique da Comunidade Umariaçu I, e Éder Venâncio Ribeiro, cacique da Comunidade Umariaçu II, que saudaram os representantes das instituições e reforçaram a importância da participação comunitária. “É preciso que aqueles que vêm para nos atender compreendam que aqui cada palavra, cada denúncia, é também cuidado com a comunidade”, destacou Mulher Ticuna, enfatizando a dimensão coletiva e ancestral da escuta.
Durante as rodas de conversa, os participantes abordaram questões diversas, refletindo problemas históricos e estruturais enfrentados pelos povos Ticuna. Entre os relatos mais recorrentes estavam:
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Atendimentos ineficientes pelos CRAS municipais, que geram frustração e sensação de descaso entre os moradores;
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Casos de violência doméstica, muitas vezes sem acompanhamento intercultural adequado;
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Cobranças abusivas de contas de energia elétrica, que penalizam famílias indígenas, mesmo quando legalmente beneficiadas por tarifas sociais;
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Benefícios sociais indevidamente pagos ou cobrados, gerando prejuízo econômico para os usuários que acreditavam estar recebendo serviços gratuitos;
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Dificuldades para emissão de certidões de nascimento e RG, com filas longas e limitadas a poucos atendimentos por semana, obrigando moradores a passar madrugadas em espera;
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Falta de atendimento público intercultural e humanizado, fundamental para o respeito às especificidades da população indígena;
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Venda de entorpecentes em espaços abertos da comunidade, causando preocupação entre lideranças e moradores sobre segurança e bem-estar coletivo.
As mulheres Ticuna tiveram papel central na escuta, denunciando problemas e apresentando propostas de cuidado coletivo. Uma liderança feminina destacou: “Não podemos aceitar que nossas crianças e famílias sofram por serviços que deveriam ser garantidos. Cada denúncia que fazemos é um ato de proteção à vida de todos no território”.
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As lideranças Ticuna destacaram que o Aeroporto Internacional de Tabatinga exerce pressão constante sobre os interesses do território, criando conflitos e tensões históricas com a comunidade. Para minimizar essas disputas, foi oferecido um suposto “benefício” que, na prática, nunca se concretizou, gerando frustração entre os moradores de Umariaçu, que há anos reivindicam o reconhecimento e reparação de uma dívida histórica com a instituição. Essas promessas não cumpridas têm causado sofrimento contínuo, evidenciando o descaso institucional, e por isso as lideranças levaram a denúncia à Defensoria Pública da União (DPU), que já se comprometeu a agendar uma reunião com urgência para tratar das reivindicações e buscar soluções concretas para a comunidade.
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Diante das demandas apresentadas, a DPE e as instituições parceiras se comprometeram a desenvolver ações institucionais contínuas, priorizando atendimento coletivo e individual, acompanhamento jurídico especializado e promoção de políticas públicas interculturais. Entre as medidas anunciadas estão:
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Atendimentos jurídicos periódicos nas comunidades, evitando que os moradores precisem se deslocar longas distâncias;
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Orientação sobre direitos sociais e serviços públicos, incluindo informações detalhadas sobre benefícios, tarifas sociais e processos administrativos;
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Fortalecimento de mecanismos de proteção à mulher e à infância, com enfoque na prevenção da violência doméstica e na assistência intercultural;
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Articulação com órgãos municipais e federais, visando reduzir filas e burocracias que prejudicam o acesso à documentação civil básica;
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Monitoramento de segurança e ações de prevenção ao tráfico de drogas, em cooperação com lideranças comunitárias e órgãos de fiscalização;
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Promoção de rodas de conversa e escutas regulares, garantindo que a voz coletiva dos Ticuna seja ouvida de forma permanente.
O evento também reforçou a importância da articulação interinstitucional. Representantes do CR Alto Solimões da FUNAI e do CAIS Povos Indígenas destacaram que as ações devem respeitar a cosmovisão e os rituais do povo Ticuna, fortalecendo o direito à autodeterminação. Para a DPU, a presença no território contribui para que políticas públicas cheguem de forma efetiva às populações tradicionais, atendendo às necessidades jurídicas e sociais de forma integrada.
Para a comunidade, a ação significou reconhecimento e respeito à cultura e o direito, aos saberes ancestrais e à organização social Ticuna. A escuta coletiva foi entendida como uma forma de cura do território, considerando que ouvir e registrar as demandas da população é também um ato de cuidado com a memória, a vida coletiva e o futuro das novas gerações.
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas, por meio do Polo Alto Solimões, reafirma seu compromisso com a população Ticuna e demais povos originários da região, mantendo-se disponível para atendimentos periódicos, rodas de conversa e articulação com outras instituições que contribuam para o fortalecimento da cidadania, da proteção jurídica e do respeito aos direitos territoriais.
O evento reforça a importância da participação comunitária, da escuta indígena e da construção de políticas públicas efetivas que respeitem a cultura e a coletividade dos povos originários. A iniciativa evidencia que a proteção dos direitos não pode ser apenas burocrática, mas precisa ser vivida, compreendida e construída junto aos povos que habitam e cuidam de seus territórios há gerações.
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