MPF de Tabatinga visita Belém do Solimões após pressão indígenas: denúncias de abandono, obras paradas e crise de segurança pública.

Foto: La Magüta Native

Após intensas pressões das lideranças indígenas da região do Alto Solimões, que foram reforçadas no I Fórum Internacional Indígena: Segurança Pública, Justiça Social e Acordo de Paz no Contexto de Fronteira, realizado em junho de 2025. O Ministério Público Federal (MPF), com o apoio da Coordenação Regional Alto Solimões da FUNAI, realizou, no dia 23 de julho de 2025, sua primeira visita oficial à maior comunidade indígena da região: Belém do Solimões, no município de Tabatinga (AM).

Foto: La Magüta Native

A ação foi conduzida pelo Dr. Gustavo Galvão Borner Procurador da República de Tabatinga do (2º ofício), que esteve presencialmente na comunidade para escutar, verificar e dar encaminhamentos às denúncias feitas pelas populações locais. A visita teve como principal objetivo a escuta ativa das lideranças e moradores sobre a falta de saneamento básico, abandono de obras públicas, insegurança, e negligência histórica por parte dos entes governamentais.

Foto: La Magüta Native

A visita do MPF também trouxe à tona a ausência de respostas às inúmeras denúncias já feitas. “Enviamos documentos ao MPF, mas não temos retorno. Muitas vezes, nem resposta recebemos”, reclamou uma liderança. Em resposta, o procurador reconheceu as limitações institucionais, mas afirmou: “Nenhuma demanda pode ser arquivada sem resposta ao remetente. Estamos buscando soluções, mesmo que emergenciais. ” Em diálogos com lideranças, professores e moradores, foram apresentadas denúncias relacionadas à precariedade do sistema de abastecimento de água, abandono de obras, ausência de merenda escolar e falta de policiamento. As lideranças comunitárias relataram que desde 2022 já haviam enviado denúncias formais ao MPF, com documentos e assinaturas coletivas, mas que nunca receberam retorno. Essa ausência de comunicação reforça a sensação de abandono institucional.

Foto: La Magüta Native
Acompanhado de engenheiro Alderlei de Oliveira Queiroz atua no DSEI Alto Rio Solimões, com foco na área técnica, especialmente em edificações e saneamento ambiental indígena. Ele é responsável pela manutenção de sistemas de abastecimento de água (SAA). Logo na chegada, o MPF foi recebido por lideranças indígenas que reiteraram o estado crítico do fornecimento de água potável na comunidade.

Foto: La Magüta Native

“Estamos há anos esperando melhorias. Já denunciamos, já fizemos reuniões. Mas a água que chega às casas não é suficiente, e muitas vezes é imprópria para consumo e as ”, disse um das lideranças durante o encontro. O engenheiro do DSEI-AS reconheceu os problemas. “Sabemos das dificuldades. Estamos nos comprometendo a realizar intervenções emergenciais até o mês de setembro para melhorar a captação e distribuição da água”, afirmou. O procurador percorreu ruas, escolas, pontos de captação de água e locais marcados por vulnerabilidades sociais graves.

Publicidade:

“Essa água não serve nem para beber. A própria equipe técnica do polo base compra água para consumo. Isso é inaceitável, considerando os milhões investidos”, afirmou a liderança. Foi relatado que os reservatórios inaugurados em 2019 não atendem à demanda atual da população, que cresce a cada ano. Para amenizar a situação, foram construídos chafarizes em quatro bairros, mas mesmo esses enfrentam dificuldades de funcionamento por falta de ligação elétrica. “É uma solução emergencial, não definitiva”, completou o técnico.

Foto: La Magüta Native
Após a reunião com as lideranças, a visita prosseguiu com o deslocamento aos bairros mais afetados, onde foram observadas obras paralisadas de distribuição de água (charifaz). Também foram identificados locais de alta vulnerabilidade social, utilizados para o consumo de álcool e drogas, segundo relatos de moradores. “Esses pontos estão crescendo e colocando nossos jovens em risco. Não temos políticas públicas para combater essa realidade”, afirmou uma das lideranças comunitárias.

Foto: La Magüta Native

A comitiva também visitou escolas em condições precárias, sem merenda escolar, sem água e sem manutenção. As mulheres enfatizaram que sofrem diretamente com a escassez de água, assim como seus filhos sofrem com a falta de merenda escolar. Muitas vezes, os alunos saíam da escola durante o intervalo maior e a maioria ia para casa para lanchar, retornando logo em seguida para a sala de aula. Essa situação ocorria porque não havia merenda disponível nas escolas, conforme afirmaram duas mães de alunos. “Temos uma creche que está há mais de 10 anos inacabada. O prédio está abandonado e ninguém sabe para onde foi o dinheiro investido”, denunciou uma moradora. Segundo os moradores, “há indícios de graves irregularidades na aplicação de recursos públicos destinados à educação indígenas e ao saneamento na comunidade”.


Foto: La Magüta Native

A situação das pontes e passarelas também foi destacada. Um relatório da Prefeitura de Tabatinga enviado ao MPF dizia que as estruturas estavam em boas condições, o que foi desmentido in loco. “O laudo da prefeitura não condiz com a realidade. Andamos por pontes perigosas, com risco iminente de queda, sem nenhuma manutenção visível”, declarou o procurador presente na visita.


Foto: La Magüta Native

Outra demanda histórica da comunidade é a reativação da Base Anzol, estrutura de segurança que auxiliava no patrulhamento e garantia de presença estatal na região. O procurador informou que irá promover ação extrajudicial para revogar a liminar que retirou o policiamento militar da Comunidade anos atrás.“O que vemos aqui é o abandono total do Estado. Não há presença efetiva do poder público, e isso tem consequências graves na segurança da comunidade”, declarou a liderança.

Foto: La Magüta Native

Durante a visita, lideranças aproveitaram a presença do procurador para entregar, em mãos, diversos documentos com denúncias e solicitações. Isso inclui reivindicações sobre saúde, educação, segurança e infraestrutura. Também denunciaram a dificuldade de entregar documentos e protocolar denúncias ao MPF devido à falta de internet e problemas de deslocamento até Tabatinga. “Muitas vezes não temos como imprimir, enviar ou sequer ter resposta das demandas. Estamos isolados institucionalmente”, relatou liderança. Em resposta, o procurador se comprometeu a facilitar o recebimento de denúncias e documentos pelas comunidades indígenas, além de tratar da questão dos protocolos excessivamente burocráticos, que também foram alvo de reclamações por parte das lideranças. As lideranças solicitaram formalmente que seja reativada a Base Anzol estrutura de vigilância que funcionava como ponto estratégico de monitoramento e segurança na região da tríplice fronteira. A equipe do MPF percorreu diferentes bairros da comunidade e constatou que nenhuns chafarizes estavam em funcionamento. A água que chega às casas muitas vezes tem cor, cheiro forte e não é confiável para o consumo humano.


Foto: La Magüta Native

Outro ponto discutido foi a articulação deficiente do DSEI em relação à política de saneamento. “Precisamos de planejamento, execução e continuidade”, afirmou um representante indígena. O engenheiro do DSEI-AS se comprometeu a apresentar um cronograma de ações emergenciais. No entanto, as comunidades lembraram que promessas semelhantes vêm sendo feitas há quase uma década, sem que a ampliação do sistema de abastecimento de água tenha se concretizado. A principal expectativa, segundo os relatos, é que os compromissos assumidos durante a visita sejam efetivamente cumpridos especialmente no que diz respeito à entrega das ações prometidas ainda neste mês de setembro.

Foto: La Magüta Native

Um dos pontos mais sensíveis foi a questão da segurança. A comunidade relatou aumento do consumo de drogas, insegurança noturna e tráfico na região. O procurador relembrou que o policiamento já esteve presente por força de decisão judicial, mas foi retirado após contestação do Estado. “Hoje, o processo tramita no TSF e está fora da minha alçada. Mas vim aqui justamente para colher relatos e tentar, junto ao colega em Brasília, restabelecer a presença da PM em caráter emergencial. ”  Moradores apontaram um crescimento preocupante no consumo de drogas por adolescentes e jovens. Há relatos de ameaças dentro da própria comunidade e envolvimento de facções, o que tem gerado medo e insegurança generalizada.

Foto: La Magüta Native

No encerramento da reunião, foram formalizados alguns encaminhamentos, entre eles: a realização de um diagnóstico completo e levantamento técnico sobre a qualidade e situação da água (incluindo as instalações de chafariz), além de estratégias de segurança pública para o enfrentamento do narcotráfico na região do Alto Solimões, visando a busca de alternativas para minimizar a violência nas comunidades, como no caso de Belém do Solimões, entre outras demandas.

Foto: La Magüta Native

As lideranças reforçaram que essa foi uma visita histórica, mas que precisa se transformar em mudanças concretas. “Chega de só ouvir. Queremos ver ação, queremos respeito”, destacou uma liderança. O MPF, por sua vez, declarou que reconhece a urgência das demandas e que trabalhará para garantir os direitos fundamentais das comunidades indígenas. A visita a Belém do Solimões marca um momento importante de escuta e presença institucional, mas também expõe um cenário de abandono que exige ação imediata do Estado brasileiro em todas as suas esferas. A visita evidenciou que não existem políticas públicas contínuas e específicas para a realidade indígena da região. A maioria das ações são emergenciais, desarticuladas e sem fiscalização efetiva da aplicação de recursos.




Postar um comentário

0 Comentários