Foto/Credito: La Magüta Native Nesta sexta-feira, 3 de outubro, o 8° Batalhão de Polícia Militar (8° BPM) sediou uma importante instrução ...
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| Foto/Credito: La Magüta Native |
Nesta sexta-feira, 3 de outubro, o 8° Batalhão de Polícia Militar (8° BPM) sediou uma importante instrução de nivelamento de conhecimento voltada para Policiais Militares que atuarão no policiamento comunitário e operações preventivas em aldeias indígenas da região do Alto Solimões, especificamente nas comunidades de Belém do Solimões (Tabatinga) e Feijoal (Benjamim Constant).
A capacitação foi conduzida em caráter emergencial, diante das crescentes demandas sociais e de segurança registradas nas comunidades, que enfrentam desafios como uso abusivo de álcool e drogas, vulnerabilidade social da juventude e, mais recentemente, a expansão de atividades do narcotráfico na região fronteiriça entre Brasil, Peru e Colômbia.
O treinamento visou preparar os agentes para atuar em um território que, além de carregar profundas especificidades culturais, é considerado um dos mais sensíveis do ponto de vista da segurança pública amazônica. A Constituição Federal de 1988, no artigo 231, assegura aos povos indígenas a organização social, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo ao Estado protegê-las
A Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, reforça a obrigação de respeito à autonomia dos povos indígenas e da realização de consulta prévia em casos de intervenções em suas terras. Já a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) garante o direito à autodeterminação e ao respeito cultural, princípios que precisam orientar a presença de forças de segurança em territórios tradicionais. Portanto, mais que uma instrução operacional, o evento simboliza uma tentativa de aproximar a prática policial das diretrizes constitucionais e internacionais de proteção dos povos originários.
Belém do Solimões é reconhecida como a maior comunidade indígena do Brasil, com aproximadamente 7 mil habitantes, podendo chegar a 12 mil se incluídas comunidades vizinhas. É uma aldeia central para o povo Ticuna (Magüta), cuja cultura está profundamente enraizada em rituais, na língua materna, nas práticas tradicionais de agricultura, pesca e artesanato, mas que enfrenta atualmente um processo de desaculturação dos jovens e de pressões externas advindas do narcotráfico e da economia de fronteira.
A região, situada às margens do rio Solimões, é de difícil acesso, sendo alcançada apenas por transporte fluvial. Essa condição logística cria obstáculos para a presença regular de políticas públicas, especialmente nas áreas de segurança, saúde e educação.
Nos últimos anos, Belém do Solimões e comunidades próximas registraram o aumento de problemas relacionados a: Alcoolismo e uso de drogas entre jovens e adolescentes; Violência difusa decorrente de disputas internas e conflitos familiares; Aliciamento de jovens pelo narcotráfico, que se aproveita da ausência do Estado; Desconfiança nas instituições estatais, incluindo polícias e órgãos públicos;
Adorcimento cultural e desvalorização das tradições indígenas.
Esses fatores combinados criam um cenário de vulnerabilidade que torna a presença policial necessária, mas também delicada. Uma operação conduzida sem respeito cultural pode intensificar tensões e fragilizar ainda mais a confiança entre comunidade e Estado.
Experiências passadas, como a Polícia Indígena do Alto Solimões (PIASOL), sofreram críticas e até extinção em 2011 após denúncias de excessos, violações de direitos e práticas violentas. Nesse sentido, a instrução realizada pelo 8° BPM representa uma oportunidade de corrigir erros do passado. Ao preparar os policiais para compreender a realidade cultural Magüta, cria-se a chance de construir uma prática policial intercultural, preventiva e de cooperação comunitária.
Contudo, há críticas importantes a serem consideradas: Número reduzido de efetivo 10 policiais destacados para duas comunidade que contendo uns 15 de habitantes total e evidencia que o Estado ainda atua de forma insuficiente. Necessidade de políticas integradas apenas a ação repressiva não resolverá problemas estruturais como pobreza, exclusão social e falta de oportunidades para a juventude. Risco de criminalização coletiva é preciso diferenciar os indígenas trabalhadores e comunitários das pessoas aliciadas pelo crime.
A instrução de nivelamento ganha relevância porque ocorre em um contexto em que o movimento indígena do Alto Solimões vem pautando a questão da segurança de forma proativa. O recente I Fórum Internacional Indígena sobre Segurança Pública, Justiça Social e Acordo de Paz em Contexto de Fronteira destacou a urgência de medidas estruturantes e não apenas paliativas. Lideranças Ticuna (Magüta) e outros povos denunciaram a ausência histórica do Estado e reivindicaram um modelo de segurança que respeite o direito consuetudinário e a autodeterminação indígena.
A presença da PM, portanto, só terá legitimidade se vier acompanhada de um compromisso de longo prazo, que contemple políticas públicas para juventude, fortalecimento cultural, apoio à economia comunitária e vigilância territorial indígena.
O evento contou com a presença do Comandante do 8° BPM, representantes do CAIS Povos Indígenas, da Coordenação Regional Alto Solimões da FUNAI, da Prefeitura de Tabatinga e do DSEI-ARS. Essa composição sinaliza uma tentativa de articulação democrática e interinstitucional, reconhecendo que a segurança em terras indígenas não pode ser monopólio das forças militares, mas precisa envolver múltiplos atores sociais.
A realização dessa instrução representa o reconhecimento de que territórios indígenas exigem abordagem diferenciada. A operação que será iniciada em Belém do Solimões e Feijoal neste sábado, 4 de outubro, deve buscar não apenas conter o narcotráfico e o consumo abusivo de álcool e drogas, mas também construir confiança mútua entre policiais e comunidade. Portanto, a segurança só será plena quando associada à justiça social, ao respeito à diversidade cultural e ao cumprimento dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção 169 da OIT.
A chegada do policiamento provisório à região trouxe um sentimento de alívio e confiança para a comunidade Magüta. Com a presença dos agentes, espera-se um reforço imediato na vigilância e proteção das áreas estratégicas, garantindo a integridade do território frente a ameaças externas. Essa medida não apenas assegura a segurança física das famílias e das lideranças locais, mas também fortalece a sensação de pertencimento e respeito pelos direitos indígenas. Para os moradores, cada patrulha representa simboliza o reconhecimento da importância da preservação do território e o compromisso das autoridades com a proteção cultural e ambiental da região.

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