Pela Primeira Vez na História, o ECA é Traduzido para a Língua Magüta: Vozes Indígenas Garantem Direitos na Própria Língua

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No dia 15 de julho de 2025, em Brasília, foi realizado o lançamento oficial da tradução do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para a língua Ticuna. A atividade integrou a programação da Semana Comemorativa dos 35 anos do ECA, promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), com apoio da Universidade de Brasília (UnB) e de parceiros indígenas e de outras instituições. 

A cerimônia contou com a presença de autoridades, pesquisadores e representantes Magüta, entre eles o professor e tradutor Josinei Basto Ticuna e o Bernabé Bitencourt Ticuna , que discursou sobre a importância do projeto para o fortalecimento dos direitos das crianças indígenas. Em sua fala, ele destacou que a tradução é um marco de valorização e visibilidade das línguas indígenas no Brasil e em territórios fronteiriços. O projeto de tradução do ECA e do Estatuto da Juventude para a língua Ticuna é uma iniciativa pioneira desenvolvida em parceria entre pesquisadores da UnB e lideranças das aldeias Ticuna da região do Alto Solimões. A primeira etapa da tradução foi concluída e publicada em janeiro de 2023 e será transformada em livro bilíngue. 

Os Ticuna formam o maior grupo indígena em número de falantes no país, com aproximadamente 60 mil pessoas, distribuídas em 47 aldeias localizadas em seis municípios do Amazonas. A língua Ticuna também é falada por comunidades indígenas na Colômbia e no Peru, o que amplia ainda mais a relevância da tradução.

Durante o lançamento, o professor Bernabé ressaltou que muitas famílias Ticuna não leem em português, mas compreendem perfeitamente sua língua materna. “Isso vai levar o direito diretamente para as comunidades, facilitando a compreensão do conteúdo por crianças, pais e lideranças indígenas”, afirmou. A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Miriam Balestro, reconheceram a relevância da ação como instrumento de promoção da equidade linguística e do acesso à cidadania para povos indígenas.

A tradução foi realizada de forma colaborativa por uma equipe formada por 13 tradutores Ticuna, linguistas, antropólogos, educadores e revisores, com coordenação da professora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral (UnB) e apoio da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Jovens indígenas estudantes da UnB também participaram da equipe, reforçando a articulação entre academia e territórios. A equipe tradutora contou com membros como Rozana Reigota Naves, Bernabé Bitencourt, Aldemicio Suzana, Hilda Pinto, Yuri Felipe, Josinei Basto, Mislene Metchacuna, Myrian Ticuna, Nazareno Sampaio, Nibison Marcelino, Paulinho Manoelzinho e outros, que trabalharam cuidadosamente na adaptação linguística e cultural dos termos jurídicos para a realidade e oralidade Ticuna.

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A língua Ticuna é tonal e possui variações de pronúncia e escrita entre as comunidades, o que exigiu um trabalho sensível e rigoroso de padronização durante a tradução. A diversidade interna da língua também foi considerada na elaboração de um glossário jurídico em Ticuna, que acompanhará a publicação. A tradução não se limita ao Brasil. Segundo o professor Bernabé, o material já foi solicitado por instituições na Colômbia e no Peru, como a Biblioteca Nacional de Letícia e a Universidade Nacional da Amazônia Peruana, em Iquitos. Crianças Ticuna desses países também receberão exemplares do ECA traduzido.

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A iniciativa reforça o papel das políticas públicas na promoção da diversidade linguística e da inclusão dos povos indígenas nos mecanismos de proteção da infância. É uma conquista coletiva que fortalece os direitos das crianças indígenas, respeitando suas identidades e modos de vida. A proposta partiu de um edital nacional lançado pelo MDHC, que previa a tradução do ECA em diferentes línguas indígenas. A Universidade de Brasília foi a única instituição que apresentou proposta e executou o projeto com base em diálogo comunitário, metodologia intercultural e protagonismo indígena.

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A tradução do ECA também será um recurso pedagógico essencial para escolas indígenas e cursos de formação de professores bilíngues, além de apoiar ações de proteção da infância e de orientação familiar em contexto intercultural. Este projeto representa um avanço importante no reconhecimento das línguas indígenas como ferramentas legítimas de acesso à informação, cidadania e justiça. Ao colocar os direitos das crianças em sua própria língua, promove-se também o direito à existência linguística.

Por fim, como afirmou o professor Bernabé em seu discurso, “ser diferente, como uma criança indígena, não é ser inferior. É apenas ser diferente. E a criança Ticuna tem os mesmos direitos”. A tradução do ECA para a língua Ticuna é, portanto, um gesto concreto de reconhecimento, respeito e compromisso com a proteção da infância indígena.

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